MARIANA: UM CRIME QUE NÃO PODE SER ENTERRADO

Quais os fatos mais marcantes do ano de 2015? Podemos até lembrar de acontecimentos como atentados na França, protesto de estudantes ou o avanço da epidemia do Aedes Aegypti e das temperaturas. Mas, certamente, a maior catástrofe ambiental do país e o mais trágico rompimento do mundo envolvendo barragens de rejeitos de mineração jamais será esquecido pelas vítimas, dentre elas, os próprios trabalhadores.

No dia 5 de novembro daquele ano, a barragem de Fundão, em Mariana (MG), rompeu-se, resultando na destruição de comunidades inteiras, na morte de 19 pessoas, no soterramento de ecossistemas e no comprometimento de rios e do litoral do Espírito Santo. O Watu, nome do rio Doce para os povos Krenak, foi imensamente afetado. “Nosso avô está em coma”, dizia o notável Ailton Krenak, líder indígena e Imortal da Academia Brasileira de Letras.

No entanto, nove anos depois, ainda que o Brasil tenha assistido a essas imagens devastadoras e às promessas de reparação, a realidade ainda parece permanecer cruel, quando as empresas responsáveis, Vale e BHP Billiton, priorizaram o lucro em detrimento da vida e do meio ambiente, colocando interesses financeiros acima da responsabilidade socioambiental. Essa postura ignorou o verdadeiro valor da vida humana e do ecossistema, desprezando as consequências devastadoras para todos os afetados.

Atualmente, persistem graves problemas como o acesso limitado à água bruta e a ausência de uma recuperação econômica sustentável. Além disso, a omissão na restauração do solo, a proliferação de doenças, os problemas nas estruturas dos reassentamentos e as indenizações bloqueadas intensificam o sofrimento das comunidades atingidas.

A sobrecarga judicial, com milhares de processos em andamento, evidencia como é complexo um crime socioambiental deste tamanho, com impactos que seguem na rotina e na saúde emocional das pessoas afetadas. A incerteza prolongada e o desgaste emocional associado aos desafios na recuperação dos modos de vida tradicionais e na restauração ambiental mostram que o processo de reparação está longe do fim.

A reconstrução das condições sociais e econômicas necessita não apenas a recuperação física das áreas destruídas, mas enfrentar o trauma coletivo e lidar com as transformações nos modos de vida das famílias, garantindo autonomia e condições para que aconteça um reordenamento.

Processos de ressarcimento até estão em curso. O processo de compensação atualmente prevê a destinação de R$ 100 bilhões ao longo dos próximos 20 anos, em benefício do governo federal, dos estados de Minas Gerais e Espírito Santo e dos municípios atingidos.

Além disso, uma ação judicial está em andamento contra a BHP Billiton no Reino Unido, onde a empresa poderá enfrentar um julgamento de quatro meses com 620 mil vítimas pleiteando R$ 230 bilhões em reparação. No entanto, a ação não contempla os metalúrgicos, que também são vítimas desse crime. O que não é justo.

Trabalhadores também são vítimas

A resistência das empresas responsáveis, Vale e BHP Billiton, controladoras da Samarco, em assumir integralmente suas obrigações perante as vítimas é um atentado aos direitos dos metalúrgicos impactados pela Samarco: continuam sem ressarcimento, enfrentando uma luta exaustiva e injusta. Após o desastre, muitos foram demitidos, enquanto outros viram seus salários serem drasticamente reduzidos. Outros também enfrentaram sérios obstáculos para voltar ao mercado de trabalho, além de carregar os traumas psicológicos e a incerteza econômica, que continuam a afetar suas vidas e de seus familiares.

Seguem assim sem resposta adequada. A Vale se exime, de forma sistemática, de compensar aqueles que foram diretamente prejudicados, deixando-os, mais uma vez, invisíveis e à margem dos processos de repactuação e reparação com os governos.

Os trabalhadores da Samarco, vítimas invisíveis da tragédia ambiental em Mariana, em 2015, correm o sério risco de mais uma vez serem prejudicados e ficar de fora no processo de repactuação com os governos, que tenta reparar as consequências para a sociedade.

Em princípio, os trabalhadores seriam reconhecidos como impactados, como realmente são na realidade, mas a Vale impediu que fossem incluídos no processo.

Depois de Mariana, anos seguintes, a Vale também mostrou como é tão negligente com os seres humanos, de uma forma geral, visando apenas lucros altos. Ela é irresponsável tanto com os trabalhadores de controladoras, como o que aconteceu com a Samarco, como seus próprios empregados.

Ao longo dos anos, esses metalúrgicos enfrentaram um verdadeiro calvário. Além das demissões, conviveram com salários congelados e a ausência da Participação nos Lucros e Resultados (PLR), essencial para o sustento básico de suas famílias. Os traumas psicológicos, as dificuldades para reintegração no mercado de trabalho e a constante incerteza econômica passaram a fazer parte da realidade desses profissionais.

O Sindimetal-ES reitera seu compromisso de defesa dos direitos desses profissionais. É um dever moral e ético lutar por uma reparação justa, que contemple os trabalhadores que foram desrespeitados e marginalizados por tantos anos. Acreditamos que o poder da união pode mudar essa história, e, juntos com outros movimentos e comunidades atingidas, seguiremos firmes em nossa luta coletiva e não deixaremos o maior crime ambiental da história deste país cair no esquecimento. É preciso sempre lembrar para nunca mais voltar a acontecer.

Por Max Célio de Carvalho – presidente do Sindimetal-ES

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